DA IMPORTÂNCIA CRUCIAL DO JASMIM

Marcos Kim

"E a vida fez sentido até o dia seguinte" - Walt Whitman

Cada um de nós sabe daquilo que é realmente, definitivamente,
inquestionavelmente importante em sua vida. Carreira, dinheiro, sucesso,
carro zero, viagens e por aí vai. Também aprecio tudo isso.

Uma das coisas mais importantes da minha vida é: descobrir onde estão os
jasmineiros em São Paulo.

Tenho este hábito, esta mania. Coletar jasmim na rua. Adoro o aroma. É
mágico, sensual, marcante. E efêmero, como costumam ser as coisas boas
da vida. É sempre assim: os momentos marcantes da vida são curtos, mas
as lembranças deles são perenes. Fácil reconhecer um momento especial da
vida: por causa deles, a vida, esta vida louca, faz sentido até o dia
seguinte.

Pego a flor de jasmim no chão, não arranco do galho. Acho que cada
árvore tem o seu tempo de ser generosa. A que tem na Rua Eça de Queirós
é comedida. Já aquela perto da entrada do Parque da Aclimação é
generosa. Talvez porque viva cercada de bêbados, e tenha criado um
carinho por eles. Há várias nos quarteirões charmosos próximos à esquina
da Rua Artur de Azevedo com a Rua Antônio Bicudo/Simão Álvares. Tem uma
na rua em que eu trabalho, bem escondidinha. Passo por baixo dela,
absorvo o aroma. Discreta, mas está lá, dando graça ao dia.

Há jasmineiros de dois tipos, em Sampa. Os rosas (que pra mim, são
alaranjados) e os brancos. Os brancos tem aroma mais intenso. E são mais
bonitos. Tantas vezes, ao ter a felicidade de achar mais um jasmineiro,
pego a flor no chão, cheiro com gosto e deixo a flor em cima de um
orelhão, pra que o próximo usuário, curioso, pegue e cheire também. Por
quê não compartilhar?

Eu me preocupava com o que as pessoas pensavam ao me ver, coletando
jasmins. Por um lado, imaginava despertar a curiosidade nas pessoas, que
também passariam a pegar, cheirar, curtir e levar consigo, pra casa, pra
companheira. Por outro lado, imaginava ser considerado um japonês doido
e viado. Agachado na rua e catando florzinhas... Agora, não me incomodo
mais. Incômodo, só dos joelhos, que já não aguentam ficar tanto tempo
dobrados.

No Dia dos Namorados, coletar jasmim tem um motivo a mais: a Amada.
Conheci-a pela internet. A Amada fez e faz sentido até o dia seguinte, e
felizmente, tivemos e estivemos juntos em tantos outros dias seguintes.
Pra ela coletei alguns jasmins, em ocasiões diversas. Saíamos de carro
pelaí, eu via um jasmineiro e parava. Quem sabe apreciar, merece.

Neste 12 de junho pela manhã, coletei algumas dezenas de flores de
jasmim pra Amada. Coloquei num chapéu que ela costuma usar, pra que um
pouco do aroma ali permaneça. Preparei um almoço legal. Guioza
(pronuncia-se guiozá, em japonês; mandu, em coreano). Não sabe o que é?
São delicados pastéis orientais. Graças à minha mãe, aprendi a fazê-los
desde o início. Misturar os ingredientes (quase vinte), abrir a massa, e
o principal: fechar o pastel. Três dobras de cada lado, mantendo a
espessura homogênea. A boa estética melhora o sabor da comida.

(Aliás, nesta vida louca, acabo vendo pouco minha mãe (mesmo morando
juntos), converso com ela muito menos do que eu gostaria e precisaria.
Afinal, ela é uma pessoa altamente carismática e empresária
bem-sucedida. Aprendo muito com ela. Nos raros e felizes dias em que
fazemos guioza juntos, temos uma ótima e longa conversa: poucas palavras
e muito entendimento.)

Fritar guioza também exige uma técnica pouco usada, embora simples:
untar a frigideira de óleo (de preferência, óleo de gergelim), colocar
os guiozas, e cobrir metade da altura deles com água. Ao evaporar, a
água realiza a fase do cozimento. Os minutos finais são pra dourar a
parte de baixo. Poucos restaurantes se dão ao trabalho de fazer deste
modo. Preferem mergulhar no óleo, o que beira a heresia.

Dica de molho pra temperar: shoyu e limão. Tem que ter. Pra completar:
grãos de gergelim, óleo de gergelim, um fio de óleo de azeite português,
um toque de orégano. Não entendo nada de culinária, faço na base da
tentativa e erro. Nesta mistura, acho que acertei.

Espero ansiosamente a Amada. Quase uma da tarde, cadê ela? Ligo no
celular: está no cabeleireiro. Deus do céu, justo hoje? Agora? E que
diabo de salão abre num domingo? Mais uma vez, a paciência testada.

Mas enfim, quem entra num relacionamento não pode se iludir. Muitos
atritos surgem, desentendimentos que, afinal, fazem parte da adaptação
da rotina de duas pessoas. Depois dos trinta anos, não tem ilusão: cada
um tem sua vida, sua coleção de fantasmas, suas cicatrizes, hábitos e
manias, e conforme o tempo passa, fica-se mais rabugento e menos afeito
a concessões. Querer achar alguém emocionalmente bem-resolvido depois
dos trinta é como querer achar alguém normal: não existe.

Mas os desentendimentos são a premissa do entendimento. Diante das
brigas e discussões, há dois caminhos. Ou se chuta o balde, ou se
entende melhor a outra pessoa. E tô curtindo entender melhor a Amada. Às
vezes é difícil. Como é dificil, meu Deus! Mas a intuição diz que
compensa; eu me esforço em entender, compreender, e a razão e os dias
seguintes comprovam que compensa. E atrasada ela chega pro almoço, sorri
com os olhos e eu desmonto.

E depois do almoço, cuja mesa decorei com (adivinha?) jasmins, opções
pra Amada. Vamos conhecer a Fundação Maria Luísa e Oscar Americano? Ou a
Vila dos Ingleses? Ou a Pinacoteca, pegar o último dia da exposição do
Henry Moore? Escolhemos este (tava fabulosa!). Passeios bem paulistanos,
que todos nós desta cidade deveríamos fazer. Sampa é como o jasmineiro
tímido, tem suas belezas e encantos, mas estão escondidos, precisam ser
garimpados. Sentados no Parque da Luz, ao final da tarde, a Amada lê
esta crônica, ainda fresquinha, na tela do notebook.

Ao final da noite, a Amada vai. Retiro da geladeira uma caixinha de
isopor. Ali estão outras dezenas de jasmins, pra que ela leve pra casa.
Assim, o aroma e perdura um pouco mais. Até o dia seguinte.

Ao final das contas, não comprei nenhum presente pra Amada. Ok, eu sou
pão-duro. Mas realmente não consegui pensar em algo que representasse
suas particularidades. Fica este singelo dia como presente. Assim como o
aroma do jasmim, é efêmero. Mas espero que este dia ajude a dar sentido
à vida da Amada. Até o dia seguinte.

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